Abrir a porteira para empreendimentos no Pantanal ameaça existência do bioma, alertam pesquisadores

O PL 561/2022, que autoriza empreendimentos no Pantanal e uso das áreas de preservação permanente (APP) e reserva legal para pecuária extensiva, também abre as portas para atividades poluidoras e de impacto que ameaçam a existência do bioma, alertam pesquisadores e ambientalistas. O projeto foi aprovado em 1ª votação na semana passada e está na pauta da sessão dessa quarta (6) para 2ª votação na Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

O deputado estadual Lúdio Cabral (PT) vai requerer que a tramitação do projeto seja suspensa. Ele também vai apresentar emendas para corrigir o projeto, que foram debatidas em audiência pública realizada na quinta-feira (30) com cientistas e moradores do Pantanal. Também participaram da audiência a secretária de Meio Ambiente, Mauren Lazzaretti, e os deputados estaduais Wilson Santos (PSD) e Carlos Avallone (PSDB), que é presidente da Comissão de Meio Ambiente e um dos autores do PL.

“O projeto autoriza obras e empreendimentos de infraestrutura. O que são esses empreendimentos? Posto de gasolina, posto de saúde? Ou seriam portos? E por que os limites propostos pela Embrapa não estão no PL?”, questionou Leonardo Gomes, do Instituto SOS Pantanal, durante a audiência pública. Edilene Fernandes, consultora jurídica do Observa-MT, cobrou transparência da Sema nas discussões e reforçou que o estudo da Embrapa não foi contemplado no PL 561. “Se aprovado, o projeto deve impactar significativamente o bioma, reduzindo áreas protegidas”, destacou.

Lúdio observou que lei atual já permite a ‘limpeza’ do pasto, principal reivindicação dos pecuaristas. “Mas falta agilidade da Sema na concessão de licenças. O PL 561 altera o que é conservação permanente e permite atividades intensivas e em larga escala. E não é isso que os pecuaristas querem. Além disso, o projeto não acolhe as recomendações da Embrapa para limitar o uso das áreas de reserva legal e APP. A pecuária está sendo usada como bode expiatório para abrir as portas para atividades que podem destruir o Pantanal. Essa autorização para ‘empreendimentos’ e o fim da restrição a atividades poluidoras podem acabar liberando a construção de portos e até mesmo garimpo e mineração”, disse.

Estudo da Embrapa e moradores do Pantanal

O pesquisador Walfrido Tomás, da Embrapa Pantanal, afirmou que o estudo realizado pela instituição abrange apenas os pontos específicos encomendados pela Assembleia Legislativa e não se aprofundou na complexidade do bioma. “O convênio focou na pecuária. O estudo da Embrapa não pode ser visto pontualmente e o Pantanal não pode ser visto fragmentado. O Pantanal é complexo e é uma área de uso restrito, conforme o Código Florestal”, disse.

Walfrido explicou que as árvores e arbustos lenhosos chamados de plantas invasoras acabam se espalhando pelos campos pantaneiros em função da redução da área inundável. Com o aumento das áreas secas, a vegetação lenhosa que não tolera inundação encontra ambiente favorável para crescer.

Clóvis Vailant, pesquisador da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e da Fiocruz, também citou os problemas causados pela redução das chuvas. “As chuvas se concentram nas partes mais altas. Os campos do Pantanal estão perdendo sua característica porque não cuidamos do planalto.” Ele denunciou ainda o que chamou de “despantanalização” da pecuária no norte do bioma. “Em Cáceres, ao longo da estrada parque Transpantanal, a pecuária não é mais extensiva.”

O professor aproveitou a audiência para fazer um apelo. “Paralisem o PL para ouvirmos as pessoas! Não dá para considerar só a pecuária. Há povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, colônias de pescadores e 63 assentamentos no Pantanal. A renda indireta gerada pela pesca difusa no Pantanal é de R$ 1,4 bilhão por ano, e muitas pessoas dependem da pesca para comer proteína”, disse Clóvis.

Eliane Xunakalo, da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), cobrou consulta aos povos indígenas e comunidades pantaneiras. “Dizem que tem 50 pantaneiros concordando com o projeto. Mas quem ouviu os povos pantaneiros? Cadê os indígenas bororos e guatós? Por que tanta pressa para aprovar uma lei que não foi debatida com toda a população? Queremos o Pantanal vivo por muitas gerações”, disse.

O pescador Waldileno Xavier da Silva reforçou a necessidade de consulta pública. “Não procuraram os ribeirinhos para saber como vivemos e como esses projetos afetam o rio e os peixes”, afirmou. “Não temos que modificar nosso bioma para as atividades econômicas caberem nele. Precisamos modificar nossas atividades econômicas para que elas caibam dentro de um Pantanal sustentável”, disse Maria Rita Schmitt, agricultora e coordenadora do grupo Jovens da Reserva da Biosfera Pantanal, em Cáceres.

Escassez de água

O biólogo Fernando Francisco Xavier destacou a necessidade de proteger o planalto e todos os rios que formam o Pantanal. “Precisamos frear as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) na bacia do Alto Paraguai. A Lei do Pantanal deveria proteger todos os rios que formam a bacia que alimenta o Pantanal. Cada gota que cai no Véu de Noiva vai para o Pantanal”, observou.

A bióloga Solange Ikeda, da Unemat, citou a importância do pulso de inundação, que regula o ciclo de cheia e seca do bioma. “Não tem sentido desmatar o que mantém o Pantanal vivo. Só existe Pantanal porque existe o planalto que traz água. A hidrovia fará a água ir embora mais rapidamente e vai faltar água na pastagem. Estamos todos do mesmo lado: ou mantemos o Pantanal como área úmida ou não terá mais Pantanal”, afirmou.

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